Em recente decisão unânime, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.999.675/SP) reafirmou uma tese de suma relevância para o mercado de crédito garantido por alienação fiduciária de bens imóveis: a frustração dos dois primeiros leilões públicos acarreta a extinção automática da dívida, exonerando o credor fiduciário de qualquer obrigação residual frente ao devedor.

A controvérsia julgada envolve um cenário cada vez mais comum em tempos de instabilidade econômica: inadimplemento contratual, consolidação da propriedade em favor do banco e posterior venda do bem por valor superior à dívida originalmente garantida. O ponto de tensão jurídico estava em saber se, diante da venda bem-sucedida após a frustração dos leilões obrigatórios, o antigo devedor teria direito à devolução da diferença entre o valor arrecadado e o montante do débito.

A resposta do STJ foi clara, objetiva e, principalmente, alinhada ao texto da lei e à finalidade da alienação fiduciária como mecanismo de proteção ao crédito. Com base no art. 27, § 5º da Lei 9.514/1997, o Tribunal reafirmou que, uma vez frustrado o segundo leilão, a dívida se extingue de forma compulsória. A propriedade consolida-se em favor do credor, que fica investido na livre disposição do bem, sem qualquer obrigação de partilhar eventual ganho decorrente de alienação futura.

A decisão é paradigmática. Em um ambiente onde a segurança jurídica é elemento essencial para o funcionamento eficiente do crédito imobiliário, a clareza da jurisprudência do STJ presta valioso serviço ao sistema financeiro. Permitir que o devedor se beneficie de eventual valorização do bem após a perda da posse e a extinção da dívida implicaria desvirtuar os fundamentos do instituto e introduzir um fator de incerteza às instituições que operam com garantias fiduciárias.

Sob outro ângulo, a tese firmada contribui para evitar o que o próprio Tribunal reconheceu como risco de enriquecimento ilícito do devedor, que se beneficiaria de um ativo já perdido por inadimplência, mesmo após lhe ter sido oportunizado o exercício do direito à purgação da mora e a participação nos leilões públicos.

Ademais, a consolidação da propriedade e a extinção das obrigações contratuais ocorrem em momento definido e respaldado por ato registral, permitindo ao credor recuperar o bem de forma célere e previsível. Essa previsibilidade — agora reafirmada pela jurisprudência superior — é pilar para que o sistema de garantias continue atraente e funcional.

Por fim, ressalte-se que a própria Lei 14.711/2023, ao atualizar a Lei 9.514/1997, incorporou expressamente esse entendimento, consolidando legislativamente aquilo que já vinha sendo firmemente construído pela jurisprudência do STJ.

Por Dr. André Ribeiro, sócio fundador da MARADVOCACIA, pós graduado em Direito Empresarial pela UFMT, conselheiro estadual gestão 2025-2027, Presidente da Comissão de Direito Cooperativo junto à OAB/MT, Ex-Presidente da Comissão de Direito Bancário da OAB/MT.